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Agora: instância em fuga.


O agora é um ponto mínimo no tempo, em constante deslize, conformado pelo antes e depois, ou seja, limitado pela fantasia do passado e a ficção do futuro. Essa quase inacessível fração temporal parece fugir aos sentidos, sempre direcionados para as improváveis fronteiras do momento anterior e do posterior.


Estar no agora, ou seja, estar em plena presença - portanto, estar no corpo - e com a consciência do processar desse agora, de sua impermanência é, literalmente, o que uma de nossas linhas de pesquisa propõe como uma prática: a prática do agora.
Lembrando: 'práticas do agora: corpo, presença, processo’.


Durante 4 anos - entre 2011 e 2015 - fiquei bastante envolvida com a minha pesquisa de doutorado, que resultou em uma tese intitulada: A condição processual e a plasticidade/ materialidade nos procedimentos da modelagem e da moldagem, ou, sobre o que não é preciso.


Ainda que não tenha aparecido no título, a temporalidade foi muito abordada no trabalho. Exatamente por ser uma noção que opera com o movimento, com a ideia da transitoriedade: o tempo em seu infindo desdobrar de frações é uma das coordenadas para se pensar sobre o processo. O tempo e o espaço, como premissas que qualificam nosso estar no mundo, amparam a percepção do processual em seu contínuo deslocamento. Deslocar, sair do lugar, transitar, é por em ação, é fazer processar, mudar, continuar, ir, voltar, esbarrar, tropeçar, avançar, retroceder, viver!


Pensar sobre as minhas mais sutis percepções, assim como as mais óbvias, determinadas pela lida com a modelagem e a moldagem me fez mergulhar no exercício de lembrar, conjecturar, imaginar, relacionar e fabricar pensamentos. Porém, essa tarefa também me retirou do contato corporal com a experiência imediata. Esse foi um tempo de distância da prática, mas com ela sempre em perspectiva: a imersão teórica estimulou as minhas experiências em desdobramentos perceptivos com as memórias visitadas e as projeções futuras.


Daí, invoco a nossa seguinte linha de pesquisa - 'prática e reflexão sobre a experiência sensível' - como essa condição intrínseca ao fazer, agir, meditar, viver. Estar no mundo é ser o mundo em processo e refletir sobre isto é saber-se em transformação.


A temporalidade fugidia significada na palavra agora, passa a ter uma espacialidade alargada que arquiteta uma praça, quando um acento colocado cria a ágora.O agora como medida temporal e a ágora como medida espacial, simulam um ato: a ação do desejo. Incorporado, ou seja, atuando no espaço e no tempo do realizar, o desejo nos move, nos processa, nos revela a própria substância da ação como concretização de agoras. De presença. De corpo vivo que não cessa de morrer e viver. De transformar.


O ateliê amplo, iluminado e plantado na natureza que mora ao meu lado é, agora, a ágora para meus colóquios matéricos - tenho experimentado nesses tempos recentes, nesses incontáveis agoras, sensações muito prazerosas, que há muito não me habitavam tão corporalmente. Corpo pele, corpo músculo, corpo cheiros, corpo força, corpo espera, corpo alegria, corpo experimentação.


Meu agora e minha ágora têm sido uma aventureira prática de ceramista. A modelagem e a moldagem são, como sempre tinham sido pra mim, recursos táteis pra me lançar ao jogo com a argila, com as suas faculdades de pressão e impressão, de interação e incorporação.


Talvez, mais que sempre, tenho a consciência de estar construindo a possibilidade do exercício experimental da liberdade, para usar essa formulação genial de Mário Pedrosa em uma tentativa de definir a arte que ele deslumbrava. Mas penso nessa tríade como prática pessoal, sem remissão a um resultado artístico.


Exercício, experimental e liberdade são 3 poderosos conceitos, 3 condições processuais por excelência, 3 caminhos sem contornos fixos, 3 possíveis tudo!


E na possibilidade de me libertar das amarras que nem sempre sei quais são, mas são, tenho brincado com a forma, com a matéria, com o imprimir, o fazer e o desfazer, o recolher e refazer, o raspar e o alisar, tocar e acariciar, inventar novas brincadeiras… Tenho feito pratinhos e potinhos, e potes e pratos e formas outras, umas quase bichos, quase pedras, elas mesmas por elas só, todas elas materializações gestuais.Tenho gostado de fazer objetos para serem usados (não mais distanciados do toque, expostos só ao olhar…). Tenho gostado, mais que tudo, de dar continuidade ao toque do fazer, no toque do usar.


Liberta da ideia de fazer arte, tenho me (re)encontrado com a arte do fazer.

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